Encontros inesperados com uma família Kalbeliya e um artesão de livros
Após a minha primeira descoberta artesanal em Bagru, rumo a Pushkar - cidade sagrada que já tanto tinha ouvido falar nas bocas de turistas - na incógnica do que iria aí encontrar, e se iría mesmo encontrar algo de interesse para Mano Etna.
Bastaram-me algumas horas para que a frustração me inundasse o espírito... e foi nesse momento de desânimo que os deuses de Pushkar me puseram no caminho algo inesperado!
Depois de Bagru - um dos centros têxteis da Índia - rumo a Oeste, em direção à cidade de Pushkar. Já há muito tempo que ouvia falar deste local sagrado, principalmente das bocas de turistas, e foi assim que, uma vez estando tão perto, decidi ir comprovar com os meus próprios olhos o que esta cidade sagrada me tinha para oferecer: em Jaipur, meto-me num autocarro e lá vou eu...
Pushkar é um importante centro de peregrinação para os hindus. A cidade, com 400 templos de arquitetura azul e branca e vários gaths de banho, ressoa cânticos de orações e canções religiosas, além de tambores e gongos.
Pushkar é ainda famosa pela sua feira anual (Pushkar Camel Fair), uma festa comercial de gado, cavalos e camelos. que atrai quase 200.000 pessoas.
A peça central deste lugar é o lago. Mal cheguei aqui pude perceber que era graças à serenidade deste que a cidade passava um certo sentimento de paz.
Aqui acontecem rituais e ofertas durante o dia, e à noite ocorrem enormes Aarti (cerimónias hindu que visam a purificação).
O lago é considerado um lugar sagrado e nenhum calçado deve ser usado enquanto se caminha por perto - muitos estrangeiros são interpelados pelos locais, que correm na sua direção com ar de pânico, suplicando-lhes que tirem os sapatos!
Obviamente cumpro com a tradição mas, uma vez saída da zona do lago, volto a calçar-me, visto que a regra do sapato e os intermináveis montes de cocó de vaca, espalhados pelos caminhos, são uma combinação cómica e inconveniente para passeios (principalmente os noturnos de volta ao hostel) !
Pushkar é uma grande atração e um principal ponto de vendas de artesanato para turistas ansiosos. Há uma (boa) pitada de comercialismo, mas a cidade mantém-se mística - ou será o contrário?! ...
Já que tinha marcado previamente hostel para 5 noites, aproveito para me inscrever em aulas de dança Kathak (dança tradicional Indiana), e para fazer inúmeras pesquisas online sobre artesanato do Rajastão, tribos e castas de artesãos, nos famosos e turísticos roof-tops da cidade.
Passeio-me infinitas vezes pelo Bazaar, inspecionando todo o artesanato tradicional e fazendo discretas perguntas aos vendedores, de forma a recolher o máximo de informação e conhecimento sobre as técnicas artesanais mais características deste ou daquele lugar...
Percebo, então, que Pushkar é um ponto fulcral: comerciantes e diferente grupos étnicos, originários de vários cantos da Índia, vêm para aqui apostar no seu negócio.
É então que, quase vivendo um dia-a-dia de "típico turista", com o qual normalmente não me identifico enquanto viajante, me questiono:
Sera que e mesmo isto que quero e que busco? Sera que e aqui que vou encontrar o que procuro?
Ê certo que todas as informações arrecadadas no bazaar, junto dos comerciantes, e todo o tempo de pesquisas online foram de grande utilidade e ajudaram-me igualmente a decidir o meu próximo destino. No entanto, a minha alma sentia-se vazia... faltava-me encontrar algo, ou alguém mais nesta cidade..
É então que, um dia antes da minha partida, enquanto vagueava pelos arredores do lago, descalça (como manda a tradição), lentamente, semi-cabisbaixa e com um sentimento de quase-desilusão, já em direção aos caminhos recôndidos e labirínticos dos arredores da cidade, viro uma esquina, e todo o meu corpo congela!...
Os meus olhos deparam-se com um tapete colorido, de pedras e pedrinhas, espelhos, lãs e padrões distintos...
Os guardiões do tesouro estão sentados no chão, mesmo ao lado.... uma família de três elementos: mãe, pai e bebé. E aqui passam os dias, entre chais, água, algumas chapati, e a fazer colares típicos da sua tribo (Sim tribo! Foi o que vim depois a descobrir).
A minha curiosidade direciona-me para o chão, junto deles. Os sorrisos gigantes vêm de ambos os lados... a conexão é instantânea e mútua! Entre palavras muito básicas inglesas, gestos e energias, comunicamos...lentamente... sem pressas!
Percebo, então, que...
o Universo (ou os deuses do lago de Pushkar!), me tinham posto no caminho algo de muito precioso...
uma família da tribo Kalbeliya! Sim, os Kalbeliya, os famosos "gypsies from the desert" ("ciganos do deserto")!
A tribo que há tanto pesquisava, e que supostamente só poderia encontrar no deserto do Thar (não muito longe daqui), mas sem local específico, uma vez que os seus elementos levam uma vida nómada desde séculos. Ou seja, na minha cabeça: missão impossível! E, no entanto, aí estavam eles... mesmo à minha frente, a partilhar comigo um chai e muitas histórias! A famīlia estava apenas de passagem por Pushkar, e seguiria caminho dentro de dias, sabe-se lá para onde...
Conhecidos pela sua dança exuberante e formas festivas, os Kalbeliya eram tradicionalmente designados de apanhadores de cobras da Índia, chamados para remover cobras sem as matar.
Os Kalbeliya são pessoas alegres, conhecidas pelas suas festas frequentes e dança exuberante, que se assemelha aos movimentos sinuosos das serpentes. Eles fazem as suas próprias bijutarias e roupas com muitas decorações.
Há cerca de 1000 anos as pedras de conta e missangas eram consideradas de alto valor monetário, e eram transportadas pelos povos tribais, de um sïtio para o outro, em forma de colares, facilitando o seu transporte.
Tradicionalmente, as tribos usavam as missangas como dinheiro, talismãs e decoração. Mais tarde, as missangas começaram a ser usadas para fazer ornamentos, bolsas, panos de mesa e outros acessórios. (leia mais sobre a técnica artesanal dos Kalbeliya aqui.
A minha recente amiga Kalbeliya é também uma excelente bailarina, e explica-me todos os detalhes da decoração usada durante as danças de encantar serpentes.
O sol começa a pôr-se e anuncia o fim do meu encontro. Escolho, então, para trazer comigo, uma mão cheia de colares carregados de história e estórias...
Deixo os meus guardiäes de cores do deserto de sorriso cheio, e eu... de coração cheio!
Aqui, apenas alguns deles...
(Clique nas imagens para visualizar os produtos na loja)
Para ver todos os colares Kalbeliya que trouxe para si, clique aqui.
Os deuses de Pushkar nao se deixaram ficar por aqui e mostraram-me que quando o nosso sorriso e grande ha sempre lugar para um maior...
(imagem apenas para referência)
De regresso ao hostel, cruzo-me com um simpático artesão de livros, da casta Rajput (do sânscrito raja-putra, "filho de um rei"), com um sorriso gigantemente branco.
Os Rajput são um grande aglomerado de castas, famílias e grupos compostos de múltiplos componentes, compartilhando um status social e uma ideologia de descendência genealógica. Os Rajput são descendentes dos Xátrias, uma das classes dominantes de grandes guerreiros no Subcontinente Indiano, particularmente no Norte da Índia.
Fico fascinada com a sua arte de fazer cadernos, com papel artesanal 100% reciclado, e com capa e contra-capas cobertas de tecido estampado... E qual não é o meu espanto: o tecido que serve de revestimento é estampado à mão, com blocos de desenho típico de Bagru (local e técnica que conheci na minha última paragem de viagem - veja aqui).
Já é tarde, porém reconheço a oportunidade única e genuina deste encontro, e não tardo a escolher alguns cadernos, deixando o meu amigo das barbas e turbante com um sorriso ainda mais brilhante!
(Lamento a falta de fotos deste momento especial devido à falta de bateria no telemóvel... Nunca pensei que este dia me reservasse tantas surpresas!)
Aqui apenas alguns cadernos disponíveis na nossa loja...
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Despeço-me finalmente de Pushkar, a cidade da minha "desilusão-e-surpresa"...
Vou descansar pois partirei, ainda pela calada da noite, para o meu próximo destino... Uma viagem que não se avizinha fácil, de autocarro, pelas estradas do quase-deserto do Rajastão...(veja as minhas próximas publicações no blog).
Diana
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